Exames de sangue pré-operatórios são mesmo necessários?

Postado em 21 de fevereiro de 2019 por .

Começo esse texto esclarecendo um ponto importante: crianças saudáveis que serão submetidas a cirurgias não precisam fazer nenhum exame de sangue! Isso é o que está escrito nos livros e nas diretrizes de anestesia de todo o mundo.

Dra. Juliana Franco (CRM 156.488), hematologista pediátrica e pediatra geral da Clínica Pediátrica Pueritia

Porém, sabemos que a vida real é bem diferente, e quase todas as crianças submetidas a cirurgias acabam fazendo exames, pelo menos hemograma e coagulograma (conjunto de provas para analisar e detectar alterações no tempo de coagulação do sangue). Por isso, aqui, falarei mais das alterações que aparecem neste tipo de exame.

As principais alterações que podem surgir no coagulograma são os chamados “erros pré-analíticos”, ou seja, decorrentes de alguma falha que ocorreu antes do sangue ser avaliado. Isso pode ser apontado quando:

  • A criança se mexe muito na hora da coleta (o que é bem “raro”, não é mesmo?! rsrs);
  • A quantidade de sangue retirada do paciente é insuficiente para encher todo o tubo;
  • Ou o material coletado espera muito tempo na bancada do laboratório até ser analisado.

Todos esses casos podem fazer com que os fatores de coagulação já comecem a agir e, no momento em que vamos testá-los, estão em quantidade reduzida, dando a impressão de que aquele paciente pode ter mais dificuldade em coagular o sangue – o que seria um problema na hora da cirurgia, pois aumentaria o risco de sangramento.

Então, como resolver este problema?

Eu, geralmente, indico aos pais que procurem um laboratório que não envia as amostras para uma central distante, para evitar prolongar o tempo de espera entre a coleta e a análise do exame de sangue. Sugiro dar preferência às unidades que já possuem seu centro de análise junto com o centro de coleta, ou que eles sejam próximos. Oriento, ainda, a dar preferência à coleta no horário mais próximo do transporte do material para o centro de análise.

Outra dica – que é a mais difícil, sem dúvida – é tentar acalmar a criança. Explique o que vai acontecer e não minta dizendo que não vai doer, mas que será uma dor pequena e passageira. Também não há necessidade de premiar com lanches ou brinquedos depois – e a explicação dos malefícios dessas “chantagens” fica para um próximo texto!

Dê conforto à criança e mostre que vocês, pais ou cuidadores, não estão ansiosos com a situação – afinal, quanto mais apreensivo o responsável fica, mais ansiosa fica a criança também.

Relevância das alterações

Outra alteração comum que pode ocorrer em exame de sangue é a formação de anticorpos que simulam um defeito da coagulação, mas que são temporários e geralmente ocorrem perto de infecções. Para este erro, podemos apenas repetir os exames quando a criança já estiver sem os sintomas infecciosos e, geralmente, o exame virá normalizado.

Já em casos raros, podem-se descobrir alguns erros da coagulação nestes exames. Geralmente, quando isso acontece, já há algum histórico familiar ou pessoal que sugira isso, como, por exemplo, a mãe ter uma menstruação excessiva, um dos pais já ter apresentado sangramento excessivo quando retirou um dente ou foi submetido a alguma cirurgia ou, até mesmo, nos casos em que a criança forma hematomas importantes em locais de vacina.

Já em casos raros, podem-se descobrir alguns erros da coagulação nestes exames. Geralmente, quando isso acontece, já há algum histórico familiar ou pessoal que sugira isso, como, por exemplo, a mãe ter uma menstruação excessiva, um dos pais já ter apresentado sangramento excessivo quando retirou um dente ou foi submetido a alguma cirurgia ou, até mesmo, nos casos em que a criança forma hematomas importantes em locais de vacina.

Nestes casos, quando repetimos os exames – nos preocupando em evitar todas as situações já mencionadas anteriormente – e eles vêm persistentemente alterados, a criança é encaminhada ao hematologista para avaliação mais detalhada. É preciso verificar qual exame está alterado – pois cada um deles avalia um grupo de fatores da coagulação.

Em seguida, são solicitados os fatores da coagulação que podem estar alterados e outros exames que ajudarão no diagnóstico. Na maioria das vezes, a dosagem destes fatores é normal e chegamos à conclusão de que as alterações se devem a pequenas partículas que impedem a coagulação in vitro (ou seja, no laboratório), mas que não têm relevância na vida real; portanto, não aumentam o risco de sangramento.

Em outros episódios, é possível verificar que há redução em algum fator da coagulação e, assim, realizar o diagnóstico de uma doença. Nestes casos, fazemos um planejamento cirúrgico para que, antes da cirurgia, seja oferecida uma medicação que contenha o tal “fator” que está alterado para reduzir o risco de sangramento.

Mais estresse do que respostas

Ou seja, em raras vezes os exames de sangue pré-operatórios são úteis para um diagnóstico de doença da coagulação; eles apenas estressam pais e crianças, que precisam ficar repetindo testes. É um sofrimento excessivo frente a um benefício muito pequeno!

Deste modo, eu, pessoalmente, concordo com todas as sociedades de anestesia que contraindicam a realização de exames de sangue em crianças saudáveis, e sem histórico familiar importante em relação a sangramentos. E o mais importante: indico pais e responsáveis a tirarem todas as suas dúvidas com o pediatra e o hematologista; não acredite em tudo que aparece na internet!