Prednisolona não é um xarope para tosse!

Postado em 20 de março de 2019 por .

Hoje, 20 de março, inicia-se o outono. Com ele, vem a promessa de tempos mais frescos para alguns, mas para outros a certeza de um período de tosse, coriza e, eventualmente, febre – e a ameaça do uso abusivo da prednisolona!

Sim, as crianças ficam mais doentes neste período! Por que, Doutora? Nos dias mais frios, deixamos as janelas mais fechadas e nos confiamos em ambientes fechados, fazendo com que haja mais circulação de vírus e mais transmissão de doenças, como gripes e resfriados.

Dra. Juliana Franco (CRM 156.488), hematologista pediátrica e pediatra geral da Clínica Pediátrica Pueritia

Sabemos também que as crianças pequenas podem ter infecções do trato respiratório de 8 a 12 vezes ao ano, e as que frequentam escolas e creches ficam mais doentes do que as que não frequentam. E isso não quer dizer que elas tenham algum problema na imunidade – o que é repetido de forma errada por alguns profissionais infelizmente, eu sei.

O sintoma que geralmente mais incomoda é a tosse. A febre preocupa, mas ela geralmente passa em alguns dias e tende a abaixar quando é oferecido medicação antitérmica. Mas a tosse não vai embora por dias, semanas e nenhum remédio parece ajudar!  Eis que surge alguém com uma boa intenção e sugere o uso de um “xaropinho” que o filho/neto/vizinho/conhecido usou e foi maravilhoso: a prednisolona!

Vamos entender uma coisa de uma vez por todas: PREDNISOLONA NÃO É XAROPE PARA TOSSE!

Essa medicação é um corticoide, potente anti-inflamatório e antialérgico. Usamos em alguns casos em que também ocorre a tosse, como a asma e a laringite, mas nos resfriados não ajuda! Na verdade, ela pode até atrapalhar, pois quando você usa um remédio que não vai ajudar a resolver a doença mais rápido, você fica apenas com os efeitos colaterais deste medicamento – e no caso da prednisolona, são muitos e bem sérios!

Efeitos graves chamam atenção

Os efeitos colaterais mais importantes acontecem com o uso em longo prazo – mas se pensarmos que as crianças podem ficar doentes de 8 a 12 vezes no ano, e se em todas as vezes usarmos a prednisolona, teremos sim um uso em longo prazo – porém, disfarçado, pois não é “todo dia”.

E quais são esses efeitos? Bem, ela pode:

  • Reduzir o crescimento longitudinal da criança (ou seja, ela pode não atingir a altura máxima que poderia);
  • Causar osteoporose, pois piora a absorção de cálcio pelo osso;
  • Causar aumento da pressão arterial e da glicemia (o “açúcar” no sangue);
  • Causar glaucoma e catarata;
  • Dar aumento de peso importante (pois aumenta substancialmente o apetite), causando obesidade e muitas vezes estrias (que ficam para a vida inteira);
  • Dar irritabilidade e agressividade em algumas crianças;
  • Até causar úlceras estomacais e intestinais, podendo levar a perfuração destes órgãos e necessidade de cirurgia.

A lista de efeitos colaterais é enorme e poderíamos falar de muitos outros, mas esses que cito aqui são os mais comuns e relevantes.

E não para por aí! Quando usamos essa medicação indiscriminadamente, podemos fazer com que a nossa fábrica própria de corticoide (sim, produzimos esta substância em nosso corpo) pare a produção – já que o corpo entende que você está fornecendo esta substância e ele não precisa mais gastar energia produzindo-a. Se isso ocorre, a criança pode entrar no que chamamos de crise adrenal, com hipotensão severa, e que pode levar até à morte.

Quando é necessário?

prednisolona

Infelizmente, algumas crianças, por terem doenças alérgicas, hematológicas, reumatológicas ou oncológicas, precisam fazer uso dos corticoides por longos períodos, e elas sabem bem o que são esses efeitos colaterais. Mas nestes casos, o benefício do uso é superior ao risco deles – e é sempre isso que devemos pesar na hora de usar qualquer medicação.

Sim, eu sei também que muitos médicos prescrevem a prednisolona para as crianças que aparecem no pronto-socorro com apenas tosse e coriza, pois é mais fácil. A mãe pede um remédio para tosse e, em vez de gastar dez minutos explicando os motivos de não haver nenhum xarope que vai ajudar, prescreve a prednisolona, no qual a criança vai “melhorar” e a mãe não vai retornar ao plantão.

Agora minha bronca é para esses colegas: VAMOS PARAR DE PRESCREVER CORTICOIDE PARA QUEM NÃO TEM INDICAÇÃO! Por favor, pensem nos efeitos colaterais que estamos causando nessas crianças. Vamos honrar nossas horas de estudo durante a graduação em medicina e fazer uso racional de todas as medicações?

Como agir com a temida tosse

Mas agora você me pergunta também: Doutora, não existe mesmo nenhum xarope que possa ajudar? Veja, sempre falamos baseados em evidências científicas, certo? Vemos quais remédios conseguiram provar que reduzem o tempo da tosse comparados com o placebo (toda e qualquer substância sem propriedades farmacológicas) – e todos os xaropes ditos “indicados para tosse” não conseguiram. Ou seja, dar o xarope pode ser igual a dar placebo, igual a nada!

O interessante é que, nestes estudos sobre remédios para tosse, conseguiram ver discreta melhora em pacientes que usavam xaropes caseiros com mel em relação ao placebo. Ou seja, nestes casos é bom apelar para a boa e velha receita de xarope caseira: liguem para as avós e bisavós e descubram a receita da família; todas têm uma para dar! O importante é ter mel, mas lembrar que ele não deve ser usado em crianças menores de um ano, pois há risco de infecção por um esporo que causa botulismo (doença bacteriana rara, porém grave).

Então, queridos pais, finalmente lhes digo: em casos de tosse e coriza, os seus melhores aliados ainda são o xarope caseiro com mel e o soro fisiológico (para lavagem nasal e inalação). Por favor, parem de dar corticoides aos seus filhos como um xarope para tosse – a não ser que seja indicado pelo médico. E, mesmo assim, pergunte se é realmente necessário o uso desta medicação; os filhos agradecerão no futuro!