Sarampo – o retorno de uma doença prevenível

Postado em 11 de julho de 2019 por .

Na faculdade de medicina aprendemos sobre as “doenças exantemáticas febris da infância”. Algumas delas achávamos que só veríamos nos livros, como o sarampo.

Dra. Rita Cardona (CRM 161446), Infectologista Pediátrica e Pediatra Geral

Mas ele retornou e com ele surge a dúvida: por quê? Os surtos têm ocorrido em áreas onde a cobertura vacinal estava abaixo dos necessários 95%, o que impede a criação de imunização de rebanho, permitindo que essa doença altamente contagiosa se espalhe. Os motivos variam: o movimento antivacinação propaga a crença das vacinas serem prejudiciais e desnecessárias; a crise política e econômica de alguns países resulta em falta de vacinas e imigração em massa de pessoas não vacinadas.

Mas sarampo é importante por quê?

Porque é doença infecciosa grave, extremamente contagiosa, que pode evoluir com complicações e morte. E apesar de ser evitável, em 2017 houve 110 mil mortes por sarampo no mundo, principalmente entre crianças com menos de cinco anos de idade.

Como se transmite?

O sarampo é causado por um vírus e é normalmente transmitido por tosse e espirros. O vírus permanece ativo e contagioso nas secreções respiratórias que ficam no ar ou em superfícies infectadas por até duas horas. O vírus infecta o trato respiratório e se espalha por todo o corpo. O período de contato até manifestação clínica é de 7 a 18 dias. A pessoa infectada pode transmitir a partir de quatro dias antes e quatro dias depois do aparecimento das lesões de pele.

Como se manifesta?

Febre alta, acompanhada de secreções no nariz, tosse, olhos vermelhos e lacrimejantes. Podem aparecer pequenas manchas brancas dentro das bochechas (manchas Koplik). Cerca de quatro dias depois, surge o exantema (“manchas na pele”), geralmente no rosto e na parte superior do pescoço, com progressão para o restante corpo, associado à prostração. Gradualmente os sintomas começam a desaparecer, o exantema torna-se escurecido, castanho-acinzentado, podendo surgir descamação.

Quais as complicações?

Febre por mais de três dias após o aparecimento do exantema é um sinal de alerta e pode indicar o aparecimento de complicações, como infecções respiratórias, otites, doenças diarreicas e neurológicas, como a encefalite. A panencefalite esclerosante subaguda (PESS) é uma doença neurodegenerativa fatal, rara, e que pode se desenvolver de 7 a 10 anos após a infecção por sarampo, caracterizada por deterioração intelectual, convulsões e mioclonias.

Sarampo pode matar?

A maioria das mortes por sarampo ocorre por complicações associadas à doença. São mais frequentes em crianças menores de cinco anos ou em adultos com mais de 30 anos.  Os casos graves são especialmente mais frequentes entre crianças pequenas desnutridas e, sobretudo, entre pessoas com deficiência de vitamina A ou cujo sistema imunológico esteja enfraquecido.

Como se diagnostica?

Após suspeição clínica, o diagnóstico pode ser realizado pela detecção de anticorpos da classe IgM no sangue na fase aguda da doença, desde os primeiros dias até 4 semanas após o aparecimento do exantema. Os anticorpos específicos da classe IgG podem, eventualmente, aparecer na fase aguda da doença e permanecem detectáveis ao longo da vida.

Também é possível isolar o vírus na urina, nas secreções nasofaríngeas, no sangue, no líquor ou em tecidos pela técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR). Estas amostras devem ser coletadas até o 5º dia a partir do início do exantema.

O sarampo está incluso na Lista Nacional de Notificação Compulsória, ou seja, na presença de um caso suspeito ou confirmado é obrigatório notificar.

Qual o tratamento?

Não existe tratamento antiviral específico contra o vírus do sarampo

As complicações graves do sarampo podem ser evitadas com um tratamento de apoio que garanta uma boa nutrição, a ingestão suficiente de líquidos e o tratamento da desidratação. Antibióticos devem ser prescritos na suspeita de infecções bacterianas (complicações mais comuns). 

Todas as crianças com diagnóstico de sarampo devem receber duas doses de suplementos de vitamina A, com intervalo de 24 horas. Esse tratamento restaura os baixos níveis de vitamina A, que, durante a doença, ocorrem mesmo em crianças bem nutridas e pode ajudar a prevenir danos oculares e cegueira. Os suplementos de vitamina A demonstraram reduzir em 50% o número de mortes por sarampo

Como prevenir?

A vacina contra o sarampo está em uso há mais de 50 anos e é segura, eficaz e acessível economicamente. A vacina contra o sarampo é frequentemente incorporada com vacinas contra a rubéola e/ou caxumba. É igualmente eficaz na forma única ou combinada.

No Brasil, estão disponíveis na rede pública a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), aplicada aos 12 meses, e a vacina tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela), aplicada aos 15 meses. O Ministério da Saúde disponibiliza duas doses da vacina para todos com menos de 30 anos (até 29 anos de idade) e dose única para aqueles 30 a 49 anos. Em situações de surto ou de contato com pessoa com suspeita de sarampo, lactentes a partir de seis meses deverão ser vacinados. No entanto, essa dose não deverá ser considerada como válida, e, portanto, precisarão receber as doses preconizadas pelo plano nacional de imunização.

Por ser vacina de vírus vivo atenuado, não pode ser aplicada em gestantes e imunossuprimidos; também é contraindicada se o paciente apresentar alergia a componentes da vacina e lactente inferior a seis meses.

Mensagem final

Em 2016, o Brasil recebeu o certificado de eliminação da circulação do vírus do sarampo pela Organização Mundial da Saúde, declarando a região das Américas livre da doença. Perdemos esse certificado, deixamos que o vírus circulasse de novo entre nós. Mas reunindo ações de vigilância, laboratório e imunizações, poderemos proteger as nossas crianças (e todos os suscetíveis), quebrando novamente a corrente de transmissão. É um caminho que precisa do compromisso de todos. Vacine-se, proteja-se, e, na suspeita da doença, procure o seu médico.