Quando é indicada a realização de um teste de alergia para alimentos?

Postado em 21 de novembro de 2019 por .

Dra. Ana Carolina Rozalem Reali, alergista e imunologista da Pueritia

Um motivo de pergunta comum no consultório e nas redes sociais do alergista é essa: Dra., tem algum teste de alergia ou exame para saber se meu filho é alérgico a alguma coisa? Nessas horas, eu sorrio, respiro fundo, encosto na cadeira e digo: não!

Honestamente, como mãe, acho uma resposta sofrida. Em tempos de boom das doenças alérgicas, principalmente das alergias alimentares (a minha área de trabalho), é muito comum sofrer com a ansiedade de não saber como vou dar alguma coisa para meu filho comer sem saber se ele não é alérgico.

Comecei esse texto sem saber onde vou terminar, honestamente.

Recentemente, um adulto morreu no Rio de Janeiro após comer camarão que, segundo os amigos, ele dizia ser a primeira vez que comia – confira a reportagem da TV Câmara São Paulo, para a qual dei entrevista. Isso dá um arrepio na espinha, né?

Primeiramente, para haver alergia, é preciso ter contato prévio com o alimento, e isso pode acontecer de várias formas:

  • Pela pele ou trato respiratório: partículas de vários alimentos fazem parte da poeira doméstica ou estão presentes em produtos que aplicamos na pele, como hidratantes e sabonetes. E, principalmente, uma pele não íntegra (como um paciente que tem uma dermatite atópica, por exemplo) é capaz de considerar isso um contato e produzir anticorpos de alergia (IgE) contra esses alimentos. O trato respiratório também é exposto a alérgenos como os pólens, e isso facilitaria a reação às frutas parentes dos pólens;
  • Através de outros alimentos como, por exemplo, um caldo de peixe com camarão. A pessoa nunca comeu um espeto de camarão, mas já comeu uma empadinha, uma torta, etc.;
  • Pelo leite materno. Óbvio que isso só vale para crianças pequenas. Em um adulto, esse alimento que passou pelo leite materno não está mais lá, mas é assim que bebês se tornam alérgicos a leite de vaca sem nunca terem ingerido leite diretamente;
  • Por reatividade cruzada. Esse é o maaaais difícil! Mas, em teoria, ácaros da poeira doméstica e camarão são ambos artrópodes e compartilham uma proteína em comum no seu exoesqueleto, e a alergia a proteína do ácaro facilitaria desenvolver a alergia ao camarão. De novo: essa é a maaaaais improvável.

Em segundo lugar, só tem alergia quem pode, não quem quer. Então, além de precisar ser exposto, precisa ter uma predisposição. O que seria um antecedente familiar de alergia, por exemplo – uma mãe asmática, pai com rinite, irmão com alergia alimentar… Ou o próprio indivíduo já ter alguma doença alérgica – asma, rinoconjuntivite, dermatite atópica, o que já mostra que o organismo dele é capaz de produzir anticorpos do tipo IgE a proteínas que deveriam ser toleradas pelo sistema imunológico, como as dos alimentos que comemos.

teste de alergia

“Ah, então é melhor não dar nenhum alimento alergênico, já que eu não sei se meu filho já foi exposto pela pele, por exemplo?” Esse é o 3º ponto. Atualmente, acredita-se que não ingerir o alimento durante o período de introdução alimentar (que é considerado uma janela de oportunidades para várias coisas, como introduzir sabores e texturas, mas também mostrar ao sistema imunológico que comida é do bem!) aumente o risco de alergia. A questão é conhecida cientificamente como “hipótese da dupla via de exposição alergênica”: o alimento entra em contato com o sistema imunológico pela pele e depois pelo trato gastrointestinal e, assim, ele seria entendido como alimento e tolerado. Se é exposto só pela pele e nunca pelo intestino, poderia dar um “tilt” – ou, ainda, exposto uma vez e nunca mais exposto: como se o sistema imunológico esquecesse que ele existe.

Ai entra a promoção de saúde e o papel do pediatra em avaliar caso a caso. Crianças saudáveis sem doenças alérgicas ou antecedentes relevantes devem ser livres – sem restrições. Óbvio, não é para dar refrigerante nem ostra lavada com água do mar. Mas, aos seis meses, é para expor a tudo, é para comer comida de verdade, colorida e saudável e, de preferência, feita em casa. É para por o pé na terra, para comer areia da praia. É para se expor aos bichos e às comidas e à vida! E manter aleitamento materno sempre que possível! Essa criança, eu preciso testar se ela é alérgica a alguma coisa? Não! Até porque testes que mostram se o indivíduo tem IgE a alimentos (seja na pele ou no sangue) indicam que ele é capaz de ter alergia – não indicam que ele realmente a tem!

Mas tenho uma criança com uma dermatite mais feia, que teve sangue no coco após ingerir leite de vaca, a mãe é uma superasmática… Essas têm que ser avaliadas caso a caso. Para as de maior risco pode ser interessante testar os principais alérgenos antes de oferecer. Pode ser um teste cutâneo no consultório do alergista mesmo, não precisa ser exame de sangue. Se for alérgica, vai reagir. Não tem essa que teste cutâneo só vale depois de um ano – e é preciso fazer isso logo para que ela seja exposta naturalmente como todas as outras crianças. Importante: atrasar a introdução de alimentos NÃO diminui risco de alergia alimentar.

Podem contar comigo! Se você for pediatra, e tem aquele paciente que dá uma pulga atrás da orelha, me escreva. Ou se for pai e tá cheio de dedos e medos de oferecer comida, me procure!