Trombose em crianças: é raro, mas existe

Postado em 24 de março de 2022 por .

Primeiro, precisamos entender que o nosso corpo vive em equilíbrio entre o sangramento e a formação de trombos. O sistema de coagulação em pessoas saudáveis tem tanto proteínas que provocam trombose, quanto proteínas que aumentam os sangramentos – mas elas vivem em harmonia, evitando que nosso sangue coagule nas veias ou que sangremos demais quando nos cortamos.  

Antigamente, quase não se ouvia falar de trombose em crianças, e hoje em dia parece que vivemos em uma “epidemia” de tromboses, principalmente nas unidades de internação e unidades de tratamento intensivos (UTIs). Isso pode estar relacionado com o fato de que antes investigávamos menos a condição – não se pensava que era possível a trombose em crianças. Além disso, acabamos fazendo mais exames (uns com indicação e outros não, na minha opinião!), e consequentemente diagnosticamos mais casos. 

Apesar de ser bem rara, a trombose em crianças existe, e diferente do paciente adulto, ela geralmente está relacionada com fatores de risco, e não com trombofilias (doenças do sistema de coagulação que aumentam o risco de trombose). Os principais fatores de risco são infecções ou algum cateter dentro da veia ou artéria. 

Ao contrário do que muita gente pensa, a trombose em crianças muito raramente está relacionada a um histórico familiar (como no caso das trombofilias) pois o sistema de coagulação da criança está mais propenso a ter sangramento do que ter uma trombose. Pense bem: quantos casos de adultos com essas trombofilias tiveram episódios de trombose na infância? Quase nenhum! 

Essas doenças da coagulação que aumentam o risco de trombose (trombofilias) geralmente são hereditárias – então é comum ter mais de um familiar com história de trombose. As mais comuns são fator V de Leiden (uma mutação que faz o fator V ser resistente à degradação, levando a maior ativação do sistema de coagulação), deficiência de proteína C ou proteína S (proteínas responsáveis pela degradação dos fatores da coagulação, que formam os trombos – como ela está diminuída, há maior risco de formação desses trombos). 

Quando investigar a trombose em crianças 

“Dra., tenho trombofilias – devo investigar a condição no meu filho?” Calma! Como o sistema da criança é muito mais propenso a ter sangramentos e não tromboses, mesmo que achemos a alteração, muito provavelmente não há indicação do uso de remédios que evitem trombose. 

Mas veja, independente da alteração genética, nem sempre o paciente terá algum quadro de trombose. Outras características do paciente influenciam, e por isso que indicamos a investigação apenas naqueles pacientes que já tiveram trombose. Não há indicação de investigar pacientes que não tenham tido trombose ou que não tenham histórico familiar importante da condição.

Isso porque não basta ter predisposição genética – o paciente precisa “saber fazer a trombose” – como diz uma professora muito importante, grande estudiosa dos casos de trombose. 

Se na família da criança tem casos de trombose e foi feito o diagnóstico de trombofilia em algum dos pais, é sugerida a pesquisa dessas doenças apenas na adolescência. Quando não há histórico, não há necessidade de submeter a criança aos exames.

Porém, nunca é demais reforçar: cada caso é único! Pediatra e hematopediatra devem avaliar a situação de cada criança. Os pais devem sempre tirar suas dúvidas com os médicos e realizar os exames apenas conforme a indicação dos especialistas.

Como é feito o tratamento?

trombose em crianças

Se for diagnosticada a trombose na criança, geralmente resolvendo o fator de risco, resolvemos a trombose – seja tratando a infecção ou retirando o cateter. Em alguns casos, porém, pode ser indicado o uso de medicações que evitam aquele trombo de crescer, dando chance para o sistema de coagulação da criança de dissolvê-lo!

Mas eu reforço aqui: algumas vezes a trombose em crianças pode ser um achado de exame – isso quer dizer que não havia uma suspeita clínica da presença daquela trombose, ela só foi encontrada em um exame que talvez nem tinha indicação de ser feito. Nesses casos, precisamos pensar muito bem se a indicação do tratamento vai fazer mais mal do que bem. 

E volto a bater na mesma tecla de sempre: precisamos principalmente pedir exames com mais sabedoria – o exame precisa confirmar ou descartar uma suspeita clínica! Então, primeiro vem o sintoma, depois vem o exame. São raros os casos em que pedir exames em pessoas saudáveis ajudam mais do que atrapalham! 

Se precisar, estou à disposição na Clínica Pueritia para tirar as suas dúvidas sobre a trombose em crianças ou outras dúvidas hematológicas, e para cuidar da saúde do seu filho de modo geral. Agende seu horário pelo WhatsApp!