Exames de sangue de rotina: há uma frequência para as crianças?

Postado em 18 de agosto de 2022 por .

E lá vamos nós falar novamente sobre exames de sangue de rotina em crianças! Primeiramente, precisamos entender o que são exames de rotina. Solicitar exames de rotina não é apenas pegar uma folha e escrever ou assinalar todos os exames de sangue que conhecemos para nos certificar que “está tudo bem com a criança”.

Exame de sangue de rotina é uma triagem para doenças prevalentes em uma população específica – que tem maior risco de doença e geralmente está assintomático (sem nenhum sintoma) -, e tem benefício com um diagnóstico precoce. Ou seja, não procuramos tudo em todo mundo o tempo todo! Além disso, precisa haver vantagens no tratamento. Se tratar precocemente ou tardiamente não muda as taxas de sucesso do tratamento, então não há vantagem!

Entenda sobre os exames de rotina

Um exemplo prático: a partir dos 50 anos de idade, mulheres fazem mamografias a cada dois anos, pois têm risco elevado de terem câncer de mama – essa é uma recomendação do Instituto Nacional de Câncer. Fazer este diagnóstico quando elas ainda não têm sintomas, tem benefícios no tratamento – geralmente ele é menos agressivo e mais eficaz, com melhores taxas de sucesso. 

Agora, faz sentido fazer mamografia em homens? NÃO! Mas isso quer dizer que eles nunca terão câncer de mama? Também não! Só quer dizer que aquela população (homens) não tem alto risco dessa doença e, portanto, não faz sentido pesquisá-la em quem não tem sintomas. Nos homens que têm histórico familiar ou sintomas compatíveis, fazemos os exames pertinentes para o diagnóstico da doença quando necessário.

A indicação de exames de sangue de rotina para as crianças

Entre as crianças, poucas são as doenças crônicas prevalentes. A Sociedade Brasileira de Pediatria e a Academia Americana de Pediatria sugerem apenas a realização de exame laboratorial com 12 meses de vida em crianças assintomáticas para pesquisa de anemia e verificação do status de ferro, e com 10 anos para avaliação do perfil lipídico (colesterol e triglicérides). E só! Elas não sugerem dosagem de todos os minerais que conhecemos, não sugere avaliação da função do fígado, rim e tireoide de crianças sem sintomas. 

Entenda que eu não estou falando de crianças com sinais de alguma doença, dificuldades para crescer ou histórico familiar importante. Falo aqui das crianças que comem bem, crescem e se desenvolvem dentro do esperado, e não apresentam nenhum sintoma relevante. Essas crianças não precisam de todos esses exames de sangue de rotina, e muito menos ficar repetindo anualmente.

Porém, ao mesmo tempo, essas entidades médicas sugerem diversas outras medidas de triagem que não são exames de sangue que devem ser realizadas de rotina: medir e pesar a cada consulta, avaliar desenvolvimento cognitivo, aferir a pressão arterial a partir de 3 anos periodicamente, avaliação oftalmológica, avaliação odontológica, exame físico completo em todas as visitas, avaliação da maturação sexual, avaliação da alimentação, do sono, dos hábitos… Tudo isso para nos certificarmos que aquela criança está saudável!

Por que a maioria dos médicos pedem exames de sangue de rotina?

Não gostaria de falar isso, mas a medicina, hoje, perdeu um pouco da sua essência. A pediatria é uma especialidade de prevenção, essencialmente. A nossa missão é guiar as famílias em direção a um futuro saudável para as crianças por meio de alimentação saudável, contato com a natureza, vacinas em dia, sono tranquilo (dentro do esperado para a idade, né? Mães de bebês, não surtem! rsrs) e educação respeitosa – e isso não dá para ser feito em 15 minutos. 

Conversar sobre esses diversos aspectos e ainda entender as possíveis queixas daquele paciente demandam tempo. Examinar da cabeça aos pés com atenção, observando a evolução neurológica, unhas, cabelos, pele e região genital demanda tempo. E tempo não é exatamente o que mais se vê nos consultórios de pediatria. 

O time da Pueritia busca estar de acordo com essa medicina de prevenção, de atenção, de carinho, mas sabemos que infelizmente essa não é a realidade do Brasil. Na falta de tempo, muitos médicos optam por solicitar mil exames na tentativa de suprir esse olhar atento que não pode ter – e te digo, infelizmente, que isso é extremamente prejudicial. 

Exames alterados não querem dizer que o paciente tem alguma doença, mas isso vai fazer com que ele seja submetido a mais exames para provar que aquela primeira investigação estava errada. Isso faz com que a família tenha um custo emocional – de achar que seu filho tem uma doença -, que raramente é computado nas métricas de que se vale ou não fazer algum exame de sangue. Fora o quanto a criança é “invadida” com mais exames e procedimentos invasivos, sem nenhuma queixa, apenas para “provar” que aquele exame estava errado e a criança está saudável.

Da mesma forma, quando os exames trazem todos os resultados “normais”, isso também não significa que aquela criança está saudável. Muitas vezes os exames normais fazem com que hábitos não saudáveis se perpetuem e até sejam entendidos como benéficos, uma vez que não alteram nenhum exame – entende a complexidade disso?

Mais atenção e menos exame de sangue de rotina

exames de sangue de rotina

Crianças que crescem, se desenvolvem, têm hábitos saudáveis, não têm queixas específicas e têm exame físico normal, NÃO precisam de exames de sangue de rotina todo ano. O “exame de rotina” é passar no pediatra e avaliar todos esses pontos! Não se deixe enganar pelos exames de sangue – um exame sem hipótese diagnóstica não serve para nada!

E antes de terminar, para não dizer que eu sou contra exames, quero lembrar aqui do teste mais importante da infância e que muitas vezes é deixado de lado: o teste do pezinho. As doenças testadas no teste do pezinho têm uma evolução muito ruim quando descobertas apenas na fase sintomática. Portanto, esse teste serve para fazer diagnóstico e iniciar o tratamento de uma doença antes que ela se instale, pois muitas vezes as manifestações dessas doenças são irreversíveis. 

É uma emoção e alegria poder dizer que o nosso país instituiu em 2020 a ampliação do teste do pezinho fornecido pelo SUS. Agora as doenças enzimáticas mais temidas pelos pediatras – os erros inatos do metabolismo, doenças raras, porém gravíssimas, como as imunodeficiências (chamadas agora de erros inatos da imunidade) e outras tantas doenças graves podem ser diagnosticadas precocemente e ser tratadas adequadamente.

Dito tudo isso, quero apenas fazê-lo entender que um exame de sangue de rotina não é apenas um exame e, principalmente, que a consulta médica é infinitamente mais importante que a realização dos exames!

Conte comigo e o time de pediatras da Clínica Pueritia, que prezam por consultas com tempo suficiente para orientar adequadamente a família e acabar com as inseguranças – marque sua consulta!